quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O projeto de lei n° 4.548/98: escusável por excelência.

A criação de um projeto de Lei que visa retirar o caráter de crime da prática de abuso, maus tratos, ou mutilação em animais domésticos ou domesticados é, ou não é, além de extremamente desnecessário, inconstitucional?

Claro, depende da interpretação de cada um e, como nossos representantes - escolhidos por NÓS, o povo - têm uma péssima noção do que é hermenêutica, acabamos tendo que presenciar fatos como esse.

O projeto de Lei 4.548/98, de autoria do Deputado Jozé Thomaz Nono, pretende alterar o art. 32 da Lei de Crimes Ambientais, retificando somente o caput do artigo, excluindo as palavras "domésticos ou domesticados". Segue o artigo mencionado, para uma melhor compreensão:

"Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção de três meses a um ano, e multa.

§ 1°. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2°. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal?"

A fim de comprovar que esse Projeto de Lei é inconstitucional, transcrevo o inciso VII, do § 1° do art. 225 da Constituição Federal de 1988:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se aoPoder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade."

Agora, finalmente, lançarei críticas a esse ato tão estúpido e vão:

1°: A própria Lei de Crimes Ambientais já deixa uma margem para que se pratique atos abusivos ou lesivos, ou, quem sabe, se mutile os animais 'de rua'. Claro: pois os dicionários entendem por essa palavra: "Doméstico [Do latim domesticu.] Adjetivo: 3. diz-se do animal que vive ou é criado em casa". Essa definição é a do Aurélio, mas não existem diferenças significativas em dicionários como o Michaelis; Houaiss; Caldas Aulete etc. Ou seja, o legislador acaba deixando essa lacuna, embora, provavelmente, não seja essa a sua intenção e, creio eu, quem praticar esse ato e for pego em flagrante será punido da mesma forma se não alegar que a lei deve ser prévia, certa, escrita e estrita e, ainda, completar com a definição de "Doméstico" de nosso mestre Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Retirando então as palavras "domésticos ou domesticados" é melhor começarem a montar campos de concentração para animais domésticos, ao invéz de circos: vai ser o evento mais procurado!

2°: O Projeto de Lei 4.548/98, como já citado anteriormente, é inconstitucional se levarmos em consideração a semântica das palavras constantes no art. 225, § 1°, VII da CF/88 e o sentido em que foram elaboradas. Entretanto, parece que o Deputado Nono não analisou a Carta Magna antes de elaborar esse Projeto de Lei 'ordinário' - com o perdão do duplo sentido da palavra -, vez que pretende passar por cima do que aquela determina, retirando-lhe o caráter de hierarquicamente superior.

3°: É necessária a criação de uma lei que, ao invéz de reafirmar o Estado de Direito, o renuncia? Enquanto a violência, a fome e a miséria vêm sofrendo aumento substancial no Brasil, é pertinente criar um Projeto de Lei completamente impertinente com o contexto social que vivemos e, mais que isso, averso ao ordenamento jurídico? Ainda, um Projeto de Lei que sequer alude essas questões de real importância para a manutenção de direitos fundamentais como a vida, a honra, a liberdade!?

4°: A justificativa para a aprovação desse Projeto de Lei é a de que a expressão "domésticos ou domesticados" impõe restrições às atividades esportivas e culturais que contam com a participação de animais. Ora, agora pergunto: é, ou não é, abuso submeter um animal a esses tipos de eventos? Pegue o exemplo do touro: quer atividade mais degradante do que a que este animal é submetido?

Deveras, não se pode esperar coisa melhor de dirigentes de Estado que mais se preocupam com as viagens que realizarão, com o dinheiro que receberão, ou, quem sabe, com o restaurante que irão almoçar... pois é, enquanto pensam em que restaurante irão saciar o apetite, lembrem-se: aproximadamente 854 milhões de pessoas passam fome, de forma crônica, no mundo!

Ademais, aproveito para mostrar um forte aliado na luta contra a aprovação do Projeto de Lei em questão: Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente. Em 04 de setembro, Minc tornou pública a sua decisão contrária a alteração do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais.

Ele reitera que a retirada da expressão "domésticos ou domesticados" estaria autorizando os maus-tratos contra esses animais. O ministro ainda discorda da justificativa apresentada para a aprovação do PL, de que o artigo 32 impõe restrições às práticas de atividades culturais, esportivas e folclóricas que se utilizam de animais.

Segundo Minc:

“A Lei de Crimes Ambientais não se opõe às manifestações culturais e esportivas. Ela apenas não permite que essas práticas coloquem a fauna em risco, submetam os animais à crueldade ou provoquem a extinção de espécies.”

Em outro trecho, Minc diz acreditar que as expressões culturais e as competições esportivas podem conviver harmoniosamente com as normas de proteção aos animais.

“Devemos apoiar e incentivar nossas tradições culturais e nossos esportistas, mas, ao mesmo tempo, não podemos permitir que se cometam excessos contra os animais em nome da cultura ou do esporte.”

Para a médica veterinária e consultora da WSPA em Brasília, Ana Nira Junqueira, a publicação desse documento é de fundamental importância para que outras instituições, como a OAB e o Ministério Público, repensem o seu posicionamento frente à aprovação do PL 4.548/98.

– Esta manifestação oficial do Ministério do Meio Ambiente é uma importante ferramenta para o convencimento dos deputados, para que votem pela não aprovação desse PL.



Esperamos que isso sirva para que os membros do nosso Congresso enxerguem a contrariedade desse Projeto de Lei com o nosso Ordenamento Jurídico.

Caso contrário, continuarei sem compreender qual é o real poder coercitivo que existe em uma Lei, ou, mais do que isso, a supremacia de uma Constituição Federal.


terça-feira, 6 de outubro de 2009

Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia

William Shakespeare